A Covemg, ao concluir seu Relatório sobre as violações de direitos humanos durante o período de 1946 a 1988, tem o dever de apresentar para a sociedade o que se resgatou da verdade e o muito que falta esclarecer. Precisamos fazer emergir a memória que foi silenciada, durante um longo período, deste passado de graves violações e extrair recomendações para que a democracia e o Estado de Direito se consolidem. A transição do Estado de exceção, para o Estado que respeite e garanta os direitos humanos não é fácil, enfrenta resistências dos agentes que os violaram e que buscam se autoanistiar, mesmo no que se refere a crimes imprescritíveis de lesa humanidade. Eles ocultam provas e negam esclarecer os fatos. Sendo assim, é necessário aplicar mecanismos de justiça de transição, processo complexo cuja prática é cheia de avanços e recuos. Fazer outras verdades virem à tona não é simples e as recomendações constituem um elo para garantir a continuidade das atividades e efetivar os direitos humanos.

A justiça de transição contempla o conjunto de mecanismos e práticas efetivados durante períodos de transformações e rupturas políticas. Tem como objetivo a superação de um regime autoritário ou de um período de conflito, para tornar possível o desenvolvimento de uma ordem democrática e um estado de paz.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ela consiste em mecanismos que visam superar um legado de sistemáticas violações de direitos humanos. A efetivação desses mecanismos é “peça fundamental” na construção de uma paz sustentável (ONU, 2012, p.18). A ONU também salienta que a abordagem desse processo deve ser compreensiva, “incorporando a gama completa de medidas judiciais e não judiciais” visando, finalmente, ao reestabelecimento da confiança nas instituições estatais e à promoção do Estado de Direito (ONU, 2012, p.21).

A justiça de transição é composta por quatro pilares: justiça; reparação; memória e verdade; e reformas institucionais. Esses pilares devem ser aplicados de forma conjunta, por serem medidas complementares. A profundidade e o desenrolar desse processo dependem, fundamentalmente, na atualidade, do desempenho e pressão da sociedade civil frente aos Estados nacionais, instituições e organismos internacionais.

O pilar da justiça consiste na responsabilização do Estado e de seus agentes que cometeram graves violações de direitos humanos, especialmente no caso do cometimento de crimes contra a humanidade.

O pilar da reparação implica compreender que a definição do status de vítima é um ponto de extrema relevância. Estabelecer quem são os sujeitos com direito às reparações e quais fatos geram essas reparações, em suas diversas configurações.

O pilar da memória e verdade compreende ações que possibilitem revisitar o passado de graves violações e suas repercussões nas diversas sociedades. Ele assegura a rememoração e a desconstrução de historiografias hegemônicas, com o objetivo de garantir que essas graves violações não se repitam.

O pilar das reformas institucionais visa à apuração de ilícitos praticados no interior das instituições estatais durante os regimes de exceção; à execução de expurgos de indivíduos que participaram ativamente das violações de direitos humanos; à modificação e à extinção de órgãos e práticas institucionais utilizadas pelos regimes autoritários; bem como outras reformas que se façam necessárias para a garantia e estabilidade da democracia e da paz. Essas medidas têm como objetivo restaurar a democracia; a integridade das instituições estatais; a confiança no Estado de Direito, nos Poderes constituídos e em suas entidades; e o combate à cultura da impunidade.