Adelino Pereira Guimarães
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Data da morte:14/10/1980
Local:Cadeia pública de Itabira
Adelino Pereira Guimarães, de 38 anos, era posseiro na região de Braúnas e reclamava na Justiça o direito de propriedade da terra onde morava. Ele alegava que a área era habitada pela sua família desde os tempos de seus avós. Adelino vivia na terra junto com sua família, esposa e filhos, além do seu pai Avelino Pereira Guimarães e sua mãe Otávia Conceição Guimarães. O conflito se iniciou em 1975 quando o fazendeiro Gil Vieira Terra invadiu pela primeira vez a fazenda, denominada Lambari, afirmando ser o proprietário da área. Desde então a família de Adelino passou a sofrer constantes ameaças e pressões do fazendeiro.
Em agosto de 1979, Gil Vieira, acompanhado de policiais e capangas armados, invadiu a fazenda de Adelino “espancando indistintamente homens, mulheres e crianças. Ao se despedirem o sr. Gil e seus acompanhantes prometeram voltar. Então seria para matar a todos.”
Após essa ameaça, Adelino procurou os meios legais para se defender, indo com frequência a Belo Horizonte para tratar com advogados. Mas no dia 06/10/1980, Gil Vieira, juntamente com cinco policiais à paisana e um oficial de justiça foram até a casa de Adelino.
Adelino estava no campo [...] quando viu os homens virem no meio da boiada, ele desceu deixando duas crianças no alto da serra, onde trabalhava. Conseguiu chegar à casa antes dos elementos. Estes começaram logo a atirar. Adelino rebateu a tiros e acertou dois policiais, um deles vindo a falecer.
O policial morto era o cabo da PM José Gonçalves Ferreira, que na ocasião estava de férias e fora contratado pelos fazendeiros Geraldo Pacheco e seu genro Gil Vieira Terra para invadirem a fazenda Lambari. Já o policial ferido, que também era cabo da PM, se chamava José Ribeiro da Silva.
No dia seguinte uma guarda da polícia com cerca de 60 homens se dirigiu ao local e lançou um verdadeiro arsenal de armas e bombas em direção às residências do posseiro, que havia se escondido no mato, e de seus familiares. Avelino, pai de Adelino, resolveu sair de casa para se entregar aos policiais, foi recebido por um tiro de fuzil e faleceu no local. Após atirarem em Avelino, que possuía 62 anos, os policiais saquearam sua casa e levaram ferramentas, dinheiro e algumas espingardas. Segundo a esposa de Avelino, Otávia Conceição Guimarães:
"Quem atirou em Avelino estava postado junto a porteira [...] que a declarante quis socorrer seu marido, mas foi brutalmente empurrada por alguns soldados afastando-a do corpo de Avelino e conduzida até uma horta pouco distante da casa e aí agredida a murros e pontapés por um soldado de cor morena e bigode preto e que estava fardado."
Na ocasião, os policiais também prenderam Afonso Pereira Guimarães, filho de Avelino, Tobias Pereira Guimarães, primo de Afonso, José Paulo Pereira Filho, irmão de Avelino, e Divino. Os dois últimos foram amarrados com um cabresto e espancados com coronhadas de fuzis e pancadas de cassetete. Os quatro foram liberados após o pagamento de fiança no valor de 2 mil cruzeiros.
Alguns dias depois, em 12/10/1980, Adelino foi capturado pelos policiais, na casa do seu vizinho José Pedro Lage, e conduzido para a delegacia de Braúnas, sendo transferido, no dia seguinte, para a delegacia da cidade de Itabira. De acordo com depoimento de Maria das Graças Guimarães, esposa de Adelino:
"Dia 12 como estava chovendo muito Adelino, que estava foragido no mato, se viu obrigado a refugiar-se na casa de José Lage [...] ele foi preso na casa mencionada, onde todos os moradores foram espancados; que Adelino foi algemado [...] que o mesmo foi barbaramente espancado pelos policiais [...] que quando a declarante viu o mesmo estava sangrando pela boca e com o rosto todo roxo."
No dia 14 de outubro Adelino foi encontrado morto no banheiro da cela da cadeia. A polícia alegou suicídio por enforcamento e que o preso teria utilizado um cabo condutor de energia elétrica para se matar.
Logo após o ocorrido, o médico legista, Celso Botelho Falcão, do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte, foi até Itabira para examinar o corpo. Ele constatou várias fraturas no corpo de Adelino que indicavam espancamento. Segundo ele, “não há dúvida de que o rapaz foi espancado seriamente. Ele tinha contusões no duodeno e no cérebro, além de equimoses nos olhos e na testa, o que sugere espancamento.” Mas no relatório de necropsia assinado pelo mesmo perito consta a seguinte informação:
"O resultado do exame anátomo patológico não fornece elementos para afirmar ou negar a existência de enforcamento, estrangulamento ou esganadura. Diante dos dados colhidos durante a necropsia e dos resultados, concluímos que a morte se deu por asfixia mecânica por compressão do pescoço."
Em 1982, o bispo auxiliar de Itabira, Dom Lélis Lara, denunciou o crime e o fato dos assassinos continuarem impunes. “Gostaria que tudo fosse apurado e divulgado o resultado do inquérito. Estamos perplexos, sem uma resposta. Precisamos de uma definição, pois afinal onde fica a Justiça nisto?” Em resposta, o secretário de Segurança Pública Armando Amaral, informou que o inquérito sobre a morte de Adelino Guimarães foi encaminhado à comarca de Itabira e que outro foi instaurado, presidido inicialmente pelo capitão Expedito Antônio Almeida, para apurar as violências contra o filho de Avelino.
De acordo com o informe nº 316 produzido pelo Exército, em abril de 1982, em resposta ao pronunciamento de Dom Lélis Lara:
"Inquérito Policial procedido pelo Delegado Francisco de Assis Teixeira para apurar a morte de Adelino, concluiu que: ‘ao ser preso Adelino foi fisicamente maltratado e moralmente humilhado pelos policiais; [e que] houve suicídio."
A pesquisa realizada pela Covemg localizou também documentos que mencionam o assassinato de José Pereira Filho, em 1979, na fazenda Lambari, por Gil Vieira Terra e que o seu filho havia sido morto na delegacia de Itabira. No entanto, devido às similaridades dos casos a Covemg não encontrou documentos que comprovassem que se tratavam de outros assassinatos.
Os nomes de Avelino e Adelino Pereira Guimarães constam nas publicações “Camponeses Mortos e Desaparecidos excluídos da Justiça de Transição”, “Relatório final: Violações de Direitos no campo 1946 a 1988”, “Assassinatos no campo: crime e impunidade, 1964-1986” e “Fetaemg 30 Anos de Luta: 1968-1998”