Data da morte:06/11/1984

Local:Fazenda Barreiro, distrito de Limeira do Oeste - Iturama

O primeiro caso de luta pela terra no Triângulo Mineiro identificado pela Covemg teve início na década de 1970, na Fazenda Barreiro, localizada no então distrito de Limeira do Oeste, município de Iturama. Segundo a Fetaemg, em dossiê elaborado sobre a fazenda, em 1987,

"as raízes do problema perdem-se no tempo, pois algumas famílias de posseiros estavam ali há mais de sessenta anos, em posse tranquila e sem contestação, chegando a 113 famílias em 1970 quando começam os atritos."

Antes dos conflitos, a fazenda era de propriedade de Dídimo Soares de Freitas. Posteriormente, ela foi dividida entre Izahú Rodrigues de Lima, filho adotivo de Dídimo, José Alves de Resende e Joaquim Machado, sendo que a Izahú coube uma área onde havia vários posseiros.

No início dos anos 1970 o fazendeiro Izahú, aproveitando-se da impossibilidade de os posseiros apresentarem documentos comprovando a posse da terra, iniciou um processo de expulsão dos ocupantes da Fazenda Barreiro. Esses começaram a se organizar para tentar permanecer na terra e eram liderados pelo posseiro Juraci José Alves. Na tentativa de solucionar o problema, os posseiros passaram a se reunir com membros do STR de Iturama. Na maioria das vezes essas reuniões eram realizadas na casa de Juraci José Alves e acompanhadas pelo capataz da fazenda, Jerônimo de Souza Freitas, conhecido como “Jerominho”, que relatava para Izahú o teor das discussões.

Os posseiros sofriam constantes ameaças de morte. O padre Divino Aizza, coordenador da CPT no Triângulo Mineiro, também sofreu ameaças dos fazendeiros por apoiar a luta dos camponeses. Além da CPT, os posseiros da Fazenda Barreiro contaram também com o suporte da Fetaemg, da vereadora Nilza (PCB), de Uberlândia, e do deputado estadual Raul Messias (PT).

Em 06/11/1984, aos 58 anos, Juraci José Alves foi assassinado. Ele recebeu, na fazenda Barreiro, às 21 horas, seis tiros à queima roupa na frente de sua esposa, Tereza de Oliveira Alves, que estava grávida. Segundo relatório policial produzido por detetives que foram encarregados de investigar o caso,

"Juraci, bastante ferido, conseguiu correr cerca de quase 100 metros, caindo logo a seguir já sem forças; socorrido pelos vizinhos que foram atraídos pelos disparos, e também por seu filho Alvino José Alves, que chegara instantes depois, foi levado às pressas para o distrito de Limeira do Oeste onde recebeu os primeiros socorros, e posteriormente transferido para o Hospital Nossa Senhora Aparecida na cidade de Iturama onde faleceu dois dias após ser alvejado; ou seja, dia 08/11/1984 às 21 horas. [...] A vítima Juraci José Alves era homem honesto cumpridor de seus deveres, não tinha inimigos declarados, a não ser após ter chamado para si a responsabilidade de liderar o movimento de luta pela posse da terra, angariando com isso a antipatia do proprietário das terras que já o havia ameaçado de morte caso persistisse em sua teimosia de permanecer em suas terras."

Um ano após a morte de Juraci, em 20/12/1985, em represália ao seu assassinato, o fazendeiro Izahú Rodrigues de Lima foi baleado na cabeça e morreu em decorrência de traumatismo craniano encefálico. O conflito pela posse da terra passou, então, a ser liderado pelos descendentes de Izahú.

A polícia investigou o assassinato de Juraci José Alves e prendeu, em 16/11/1985, o pistoleiro Ivan Ferreira Neto, conhecido como Tabaquinho, residente na cidade de Paranaiguara (GO). Cinco dias antes do assassinato de Juraci, Tabaquinho chegou à fazenda Barreiro, sob o codinome de Paulo, para trabalhar como tirador de leite. Enquanto lá ficou, rondava as moradias dos posseiros com Izahú e Jerominho, além de gozar de regalias. Alguns dias antes do crime, Ivan desapareceu, e só foi visto novamente na data da execução.

Tabaquinho disse à polícia que foi contratado pelo fazendeiro Izahú Rodrigues de Lima, que lhe deu um revólver calibre 32 e Cr$ 1 milhão de adiantamento para fazer o “serviço” e, uma semana depois do crime, recebeu mais Cr$ 3 milhões.

De acordo com investigação policial, dois dias após a morte de Juraci, Dídimo – pai de Izahú – chegou à fazenda e lá permaneceu por cerca de três dias. Depois disso, foi junto com Izahú e sua concubina para Ituiutaba (MG). Antes de sair da fazenda, Izahú pegou no cofre uma quantia em dinheiro e colocou em uma mala. Durante a viagem, parou na rodoviária de Santa Vitória. Lá encontrou com Ivan e entregou-lhe o dinheiro. Izahú deixou Ivan no entroncamento das rodovias que levam a Ituiutaba (MG) e São Simão (GO).

Alguns meses após ser preso, em 25/06/1986, Ivan Ferreira Neto prestou novo depoimento e teve a sua prisão preventiva revogada pelo juiz Dário Borges de Paula, que lhe concedeu liberdade provisória.

Em 21/10/1992, Ivan Ferreira Neto foi novamente interrogado na cidade de Iturama e negou ter sido o autor dos disparos que mataram Juraci José Alves. Segundo ele, foi Izahú Rodrigues de Lima quem atirou na vítima, ele apenas teria dado dois tiros para o alto. Nessa data ocorreu o julgamento de Ivan Ferreira Neto que foi condenado “como incurso nas iras do artigo 121, §2º, inciso I, do Código Penal.” A pena foi de 18 anos de reclusão em regime fechado para o início de cumprimento da pena.

Cinco dias após a morte de Izahú Rodrigues de Lima, em 26/12/1985, o presidente José Sarney expediu o Decreto nº 92.219 autorizando a desapropriação de parte da fazenda Barreiro, área de 2.603 hectares dos 6.333 hectares que ela possuía, para fins de reforma agrária.

A partir do Decreto, a diretoria regional do INCRA, com sede em Belo Horizonte, ficou responsável por realizar a desapropriação e a restruturação do imóvel com o intuito de criar até 130 unidades familiares na área. Em 28/04/1986, a área foi registrada em nome do INCRA sob o nº 8.040 no Cartório de Registro de Imóveis de Iturama. Todavia, os fazendeiros insistiam em utilizar o terreno para pastagem de bois, invadindo a área dos posseiros, destruíam as lavouras e arrancavam as cercas. Essas invasões eram realizadas com a presença de policiais, que apesar de não possuírem mandado judicial para realizar tal ação, agiam juntamente com os fazendeiros e seus jagunços.

Em 09/07/1987, o batalhão de choque da Polícia Militar de Uberaba invadiu a fazenda Barreiro “de armas em punho, lançando bombas de gás, a fila de soldados marcha sobre eles [os posseiros] e quem não foge é pisoteado e chutado. Estava consumada pela nossa briosa polícia militar a ‘limpeza da área’”. O tenente Robson Lopes, que comandou a operação, declarou que cumpria ordem direta do secretário de Segurança, Sidney Saffe Silveira. O capitão da Polícia Militar de Iturama, Gilberto Gotelipe, declarou que a tropa de choque permaneceria no local por tempo indeterminado para impedir que os colonos retornassem à área desocupada.

Apesar de o INCRA já possuir legalmente o imóvel, o processo tramitava no Tribunal Federal de Recursos e aguardava a sentença judicial. Para tentar pressionar o governo, cerca de 100 posseiros expulsos da fazenda rumaram para Brasília e acamparam em frente ao Congresso Nacional aguardando o julgamento da sentença. Outros foram para Belo Horizonte encontrar-se com o governador de Minas Gerais, Newton Cardoso, para pedir sua intercessão no conflito. O governador prometeu se empenhar na solução do problema.

De acordo com o então superintendente regional do INCRA, Jafete Abrahão,

"a liminar concedida pelo TFR impediu a aplicação, na área de mais de 16 milhões de cruzados, disponíveis no INCRA para o projeto de assentamento, desde a compra de sementes até a construção de escolas e moradias."

O INCRA tentou sustar a liminar para que os posseiros retornassem à terra. Posteriormente, os posseiros conseguiram voltar à fazenda e foi criado o primeiro projeto de assentamento da região, que abrigou 131 famílias. No ano de 1993, os posseiros receberam os títulos de propriedade de áreas da fazenda Barreiro e comemoraram a conquista com um churrasco.

O nome de Juraci José Alves é citado nas publicações “Camponeses mortos e desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição”, “Relatório final: Violações de Direitos no campo 1946 a 1988”, ”Assassinatos no Campo: crime e impunidade 1964 – 1985”, “Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos” e “Fetaemg 30 anos de luta: 1968 a 1998”.

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